Carta a Crystal

Uma das pessoas que mais admiro é Stephen Fry. Ator, comediante, dublador, talk show host, geek freak, escritor, documentarista, ele é quase um renascentista. Não sei as pessoas no Brasil o conhecem tanto, mas ele é muito famoso na Inglaterra, do tipo celebridade. Talvez a ficha no IMDB ajude: clique aqui.
Apesar de ser uma “celebridade”, ele conserva uma honestidade pessoal e sinceridade de princípios que me deixam admirada. Diagnosticado com a síndrome bipolar (na época chamada de maníaco-depressiva), ele fez um documentário sobre o assunto para a BBC e deu seu depoimento sobre a doença. Também se propôs a ajudar outras pessoas com essa condição.
Deixem-me  compartilhar uma carta que ele escreveu em 2006 a Crystal, uma pessoa com a doença.

“10 de abril de 2006

Querida Crystal,

Lamento ouvir que a vida está tão ruim para você nesse momento. Deus sabe, é tão difícil quando nada parece se encaixar e tão pouco parece ser satisfatório. Não estou certo de que haja algum conselho específico que eu possa dar para ajudar a devolver o sabor da vida. Embora todos tenham boas intenções, às vezes é um insulto ser lembrado de quanto as pessoas amam você quando você não se ama tanto.

Descobri que pode ser de alguma ajuda se você pensar nos sentimentos e humores a respeito do mundo como parecidos com o clima.

Aqui estão algumas coisas óbvias sobre o clima:

Ele é real.
Você não pode mudar o clima só com seu desejo.
Se está nublado e chuvoso, está nublado e chuvoso mesmo e você não pode mudar isso.
Pode continuar nublado e chuvoso por duas semanas a fio.

MAS

Um dia o sol vai sair.
Não temos controle de quando o sol vai sair, mas ele vai sair.
Um dia.

Acho que é a mesma coisa com os humores da gente. O pior é pensar que eles são parte da nossa imaginação.  Eles são reais. Depressão, ansiedade, indiferença e apatia – tudo isso é tão real quanto o clima – E IGUALMENTE FORA DO NOSSO CONTROLE. Não é culpa de ninguém.

MAS

Eles vão passar: eles vão passar de verdade.

Da mesma maneira que todo mundo tem que aceitar o clima, então todo mundo também tem que aceitar como a gente se sente sobre a vida às vezes. “Hoje é um dia ruim” é uma abordagem perfeitamente realista. Trata-se apenas de achar algum tipo de guarda-chuva mental. “Olha só, está chovendo dentro de mim: não é minha culpa e não posso fazer nada, a não ser esperar passar. Mas o sol pode muito bem sair amanhã, e quando ele sair, vou aproveitar ao máximo”.

Não sei se isso vai ser útil de alguma forma para você. Pode ser que não, e caso seja assim, eu lamento. Só achei que deveria lhe escrever um bilhete desejando boa sorte na sua busca por um pouco mais de prazer e sentido na vida.

Tudo de bom,

Assinado

Stephen Fry”

Ressalte-se que não é preciso ter uma doença mental (depressão, bipolar) para a gente a) ficar triste, b) sentir-se chuvoso por dentro. É só ter um guarda-chuva, galochas e capa na alma e ir em frente.
Nesta época de fim de ano, as pessoas se sentem muito instáveis emocionalmente. Tenho uma amiga que odeia Natal, fica triste coma época. Parte das pessoas têm isso nessa época.
Quem sabe não seja necessário se sentir culpado por simplesmente estar triste e chuvoso.

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